Hoje mais cedo ouvi uma pessoa dizendo: “sou brasileiro e estou requerendo a cidadania italiana para a minha família”.
Ele sorria, e eu fiquei imaginando os motivos: uma maravilhosa oportunidade de trabalho, um longo período de estudo e intercâmbio, um projeto para o futuro dos filhos, um novo amor… Me pareceu maravilhoso: ser um cidadão é pertencer. Imagine só o requinte que é isso… Pertencer a um lugar… O que dirá pertencer a mais de um lugar.
Nem sempre é assim, a gente sabe. Meus avós, como muitos outros avós, precisaram se desterrar, tirar a terra debaixo dos pés, fingir “despertencer” de um lugar para poder viver; sobreviver em outro. Para eles, e pessoas como eles, não foi um requinte ter de partir. Não foi um requinte precisar chegar.
Ontem bem cedo o Sergio me deu de graça esta verdade: “A vida não é feita de papel carimbado. A italianidade não é anagráfica. A vida é feita de gestos.”
Acho que ele está certo. Quem pode duvidar de algo assim? Quem pode dimensionar essa paixão repentina, própria de quem, ex-patriado encontrou uma porção de terra cálida e areada para colocar os pés? Quem pode minimizar a paixão inadvertida que vem “depois de ouvir um CD da Laura Pausini?”.
Ele ainda me disse: “Tudo é uma questão de pertencimento; algo que se dá no nível cultural e relacional…Picasso, por exemplo: espanhol de nascimento, sua alma cubista encontrou Paris.” E explicou: “você nasce em um lugar, mas, na meia idade, a sua alma vai buscar o lugar dela…”, ou seja, na transversalidade.
“A italianidade é transversal; a brasilidade é transversal.” E é nesses intermédios que brincam as almas.
Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
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