Basilicata, entre colinas e histórias pitorescas

Uma cidade redonda, um povoado árabe desabitado, uma poeta do século 16 que ressuscita: conheça estas e outras histórias da viagem que fizemos à região da Basilicata

No extremo sul da Itália, entre a ponta do pé e o calcanhar da Bota, está a Basilicata, região que Pittoresca conheceu a convite da Agência Nacional de Turismo da Itália (Enit).

Percorrer suas estradas no outono é avistar casas que escalam montanhas ou ser tomado pelo vermelho-queimado de seus bosques. A localidade, chamada antigamente de Lucania, tem a menor densidade populacional do país, com 54 habitantes por quilômetro quadrado, totalizando uma população de aproximadamente 547 mil residentes.

Apenas os mais velhos insistem em morar nos vilarejos lucanos, onde a rotina é quebrada com a presença de eventuais turistas, que, por vezes, vindos de muito longe, espiam sua vida pacata. Em Rotondella, a 576 metros de altitude, Dona Antonietta Comparatto, de 80 anos, prepara sabonetes em um balde, que servem “apenas para lavar roupa”, enquanto os visitantes buscam se familiarizar com a cidadezinha construída em círculo (“rotonda” em italiano é “redonda”) no alto da colina.

Dona Antonietta prepara sabões na “varanda do mar Jônico” / Bruna Pit

Atrás de Dona Antonietta, um varal com roupas balança com o vento que sopra no vilarejo de cerca de 3 mil habitantes, conhecido como a “varanda do mar Jônico”: dali é possível avistar outras duas regiões italianas, Puglia e Calabria, além de boa parte da Basilicata. No horizonte, o azul do céu se mistura ao azul do mar, que se revela um pouco tímido em meio àquela vista toda.

Natural de Rotondella, Dona Antonietta produz sabões desde criança, pois não os tinha em casa. Segundo ela, a receita é muito simples: farinha, azeite de oliva, água e soda cáustica, que são adicionados a um balde onde ela mistura os ingredientes por longo tempo. Os sabonetes saem branquinhos e perfumados, mas “quem quiser, pode adicionar corantes para deixá-los marrons ou verdes”.

Rotondella, a cidade construída em círculo / Bruna Pit

Dar uma volta – literalmente – pela cidade circular é se deparar com construções de diversas épocas, com poucas medievais. Em pleno sábado, grande parte dos moradores prefere ficar em casa, mas há aqueles que escolhem o bar – que serve café pela manhã – para socializar. Se o vilarejo em si não oferece grandes atrativos, a vista ao seu redor compensa uma passada.

Próximo a Rotondella, no município de Tursi, os idosos sobem as altíssimas ladeiras que formam as ruas da cidadezinha de 5 mil moradores com suas bengalas. Com passos curtos e costas curvadas, eles provam que conseguem. E dá-lhe subida: para chegar a Rabatana, no ponto mais alto da cidade, é preciso caminhar por ruelas estreitas, que revelam muitos imóveis antigos à venda, muitos deles em estado avançado de deterioração. Pelo caminho, varais secam roupas atravessados entre as ruas, que também trazem paisagens emolduradas em ruínas. Quase nenhum morador se aventura a subir tanto naquele dia – talvez porque era domingo.

Quando finalmente se chega à praça que antecede o último acesso a Rabatana, o cenário é impressionante: o bairro é circundado por profundos abismos. Do outro lado da encosta, há um antigo mosteiro franciscano, que também optou por se isolar. Enquanto em terra tudo é sereno, no céu, as andorinhas fazem a festa.

Fundada no século 5 d.C. pelos godos, Rabatana foi o primeiro ponto a ser habitado em Tursi com a construção de seu castelo. No entanto, por volta do ano de 850, os árabes, conhecidos naquela época como sarracenos, se estabeleceram no local, deixando marcas profundas na arquitetura e no dialeto, além de batizarem o povoado com o nome atual.

Rabatana, ao fundo, está no ponto mais alto de Tursi / Bruna Pit

Ao lado da esposa Grazia e do cunhado Bruno, Seu Giuseppe Cristiano, que assim como os seus, aparenta ter idade bem avançada, contou à Pittoresca, em uma mistura de 10% italiano e 90% dialeto local, além de longas pausas na memória, que ele nasceu em Rabatana.

“Nasci ali”, apontou o nativo para o ponto mais alto da colina, onde impera o povoado árabe, que hoje se encontra praticamente despovoado. No bairro, as antigas construções de pedras de seus tempos áureos jazem sobre a colina, atraindo turistas de tempos em tempos.

Atualmente, a família Cristiano vive em uma das casas coloridas poucos metros abaixo de Rabatana, mas muitos acima do centro de Tursi. “E como fazem para ir ao centro, diante da dificuldade da subida?” perguntou a repórter Pittoresca. “Vou de Panda [carro da marca Fiat]”, respondeu Seu Giuseppe, mostrando que para a família, o tédio e a falta de oportunidades que espantaram os jovens há tempos não é problema para os idosos que permaneceram entre o céu, as andorinhas, o abismo e Rabatana.

Encenação sobre a vida da poeta Isabella Morra em Valsinni / Bruna Pit

Se em Tursi as horas do dia correm iguais, em Valsinni, ao pôr do sol, um contador de histórias fez as honras da casa. Ao lado de seu músico, eles têm a tarefa de conduzir seus ouvintes ao século 16, quando nasceu e viveu ali a poeta Isabella Morra (1520-1545 ou 46).

Nas ruas estreitas de pedras, entre vãos e becos, já com pouca luz, Isabella ressuscita em trajes brancos como um fantasma e, de forma fantasmagórica, desaparece e reaparece nas cenas por Valsinni, onde passou toda a sua vida, isolada no castelo de sua família, nobres locais.

Na fortaleza, a jovem escrevia poemas para aliviar a solidão, até que começou a se corresponder com o barão de origem espanhola Diego Sandoval de Castro. Descoberta por seus irmãos, eles a assassinaram.

Apesar de sua curta e trágica vida, a poesia de Isabella Morra é reconhecida por sua originalidade e valor literário, sendo ela, a protagonista do vilarejo de Valsinni. O castelo onde morou, hoje, é um museu aberto para visitação.

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