ITALIANIDADE PAULISTANA – Um italianinho amado no Brasil

Não guardo na memória em que ano fomos oficialmente apresentados, mas eu deveria ter mais ou menos uns onze anos. Na real, também ele já tinha mais de doze na época, embora sua voz infantil não revelasse mais de quatro ou cinco. Quase um bebê, de tão fofinho e engraçadinho.

Ele nasceu na Itália e com um aninho já era uma celebridade na T.V, mas a lembrança mais clara que tenho dele, ao vivo e em cores, vem da minha adolescência (talvez até um pouco depois) – em parte porque, naquela época, a televisão colorida no Brasil era privilégio apenas para uns (não para mim).

Foi então que, num belo dia, meu pai arranjou uma solução criativa para que a gente não ficasse para trás… Sabe-se lá onde comprou um acetato, uma espécie de plástico tingido com três faixas de cores, que usávamos para cobrir a tela da tevê e simular a experiência de ver colorido a novela. Também era assim que a gente via o programa daquela celebridade internacional, italiana, fofinha, engraçadinha e simpática que mencionei há pouco.

Como minha mãe tivesse reclamado tanto que o acetato poderia ”estragar a vista das crianças”, não demorou e a coisa foi descartada. Foi assim que, no lugar do acetato sobre a tela, uma tevê nova e moderna, de última linha, ocupou a sala. Suponho tenha sido uma decisão econômica dificílima, mas foi desse jeito que eu conheci – oficialmente, ao vivo e em cores – o famoso italianinho que passou a reinar definitivo na tela da tevê colorida da nossa sala de visitas. Seu nome? Gigio. Para lhe dar nome e sobrenome: Topo Gigio , o ratinho.

Sim, senhores e senhoras. Este famoso sobre o qual lhes escrevo aqui era um roedor fofinho, mas não um qualquer: era italiano, super dengoso e afetuoso, que esbanjava carisma e charme do “alto” dos seus 30 centímetros de altura e suas orelhas de tamanho desproporcional (8 centímetros!)

Não tenho lembrança de vê-lo em preto e branco e suponho que também não tenha me interessado tanto assim pelo Gigio antes que a tevê colorida tivesse ocupado nossa sala. É fato: comecei a gostar dele quando pude vê-lo com cores reais, e não através daquele acetato que deixava tudo esquisito.

É bom lembrar também que as transmissões de tevê coloridas no Brasil foram iniciadas em 1972, mas eram esporádicas… De toda maneira, a carreira do simpático ratinho ascendeu rapidamente por aqui e ele se tornou uma celebridade também em muitos outros países além da Itália e do Brasil (foi no Ed Sullivan Show e contracenou com Roberto Gómez Bolaños, o Chaves. No Brasil, acabou dividindo o palco com o humorista Agildo Ribeiro, Xuxa e outro ratinho homônimo, o Ratinho (com R maiúsculo, do Programa do Ratinho). Feliz de mim e de quem mais tivesse uma tevê (de preferência colorida) na sala de visitas (ou, quem sabe um acetato sobre a tela).

Pensando bem, acho que não fui uma fã – mirim dele, mas certamente fui uma fã – adolescente, como boa parcela das garotas e garotos brasileiros. Havia uma candura nele que impressionava e já naquela época se poderia afirmar que a entrada do ratinho charmoso em nossos lares só se deu graças à simpatia que nós, brasileiros e paulistanos, sempre tivemos pelas coisas da Itália; a ponto de, inclusive ele se tornar uma referência: todo mundo da minha idade já sabia que, depois que o Gigio colocasse seu pijaminha, tinha chegado a hora de dormir – e também nós deveríamos fazer o mesmo.

O tempo que eu levei para escrever até aqui foi suficiente para pensar porque o ratinho italiano ficou tão popular na tevê brasileira. Ora, ele era “diferente” – e nós, brasileiros, nos identificamos com a sua personalidade italiana, doce e simplória. Ele contracenava com atores, conversava, fazia orações, dava conselhos, punha a gente para dormir, falava italiano… Tudo ao vivo e em cores, ao menos para quem já podia ter uma tevê colorida. Vale também lembrar que, à época o que invadia nossos lares eram os desenhos animados americanos, como o Pica-Pau e o Mickey Mouse, personagens de ética bem duvidosa eu diria, na sua maioria espertalhões, ágeis, ardilosos, muito coloridos (para alguns)…

Mas o Topo Gigio não. Ele era dócil, transmitia tranquilidade às crianças, aconselhava a gente a ser bom e a obedecer aos mais velhos… Aliás, me lembro bem agora do seu pijaminha e da sua touca de dormir… Da sua voz suave e infantil – e de como ele arrastava os pezinhos para frente e para trás, tão tímido e bonitinho… Posso até ouvir o seu sotaque daqui.

Nós, brasileiros nos identificamos com aquele italianinho. Nós, paulistanos, ainda mais: era tempo do Palestra. Da Bela Vista, da Mooca, do Ipiranga… Da macarronada de domingo, das frases ditas em português recheadas de interjeições italianas… Das tranças nos cabelos, das saias longas e pretas, da coleção de chapéu do vovô… Dos expatriados dentro de casa, da vila, do bairro.

Por isso tudo dá para entender o que foi a aparição daquele italianinho nas telas das nossas tevês: era uma italianidade doce que invadia nossas casas e que, tocava gerações. Ao vivo e em cores.

Uma curiosidade:

Topo Gigio foi criado em 1958 pela roteirista e produtora de televisão italiana Maria Perego, seu marido e um amigo. Na época que Topo Gigio estreou no Brasil, o humorista Agildo Ribeiro contracenava com o ratinho e a dublagem era feita pelo italiano “Peppino” Mazzullo, que não sabia falar português e decorava as frases a serem ditas apenas de maneira fonética, sem saber a tradução.

Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.

Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.

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