
Não sou do tipo que me rendo fácil.
Tudo começou quando, num sábado à tarde, o interfone tocou. Era a entrega programada de um livro e o meu filho mais novo atendeu ao interfone dizendo: Pronto?
Em menos de um minuto ele já tinha desligado o aparelho e avançava rapidamente pelas escadas a fim de resgatar o tal livro (não sei de você, mas adoro receber livros no final de semana). Quase que ao mesmo tempo, na sala, outro filho, o mais velho, me perguntava assim, do nada…
– Por que ele atende ao telefone dizendo Pronto?
Não entendi o que ele dizia, mas logo ele se explicou:
– É que ele atendeu ao telefone dizendo Pronto! e não Alô? … Por quê? – Insistiu.
Fiquei pensando no porquê, mas talvez porque não houvesse um porquê, me lembrei que também eu digo Pronto? ao atender ao telefone (e, curiosamente, também ao interfone, desde o tempo em que os aparelhos tinham fio e disco no lugar de teclas). Pois então. Os motivos “científicos” para responder à pergunta não vieram. Resultou, então, que eu me calei, não disse palavra. Sabe aquele silêncio que se estende mais do que deveria? Foi dessa forma. Porém, quando eu achava que a coisa não ia render mais, diante dos olhos me veio uma cena, uma lembrança de meu pai, dos tempos em que ele trabalhava de casa: naquela tarde, sentado diante de uma grande escrivaninha, atendeu ao telefone e, sem cerimônias, disse Pronto?
Foi o suficiente para a conversa retomar animada aqui em casa. E então, alheio a tudo, o irmão mais novo, que acabara de voltar da portaria, pôde ouvir a seguinte frase do irmão mais velho:
– Pronto! é a expressão italiana para quando se atende ao telefone. Significa algo como estou pronto para te ouvir, cá estou, pode falar! Aqui no Brasil não se fala Pronto! Se fala Alô? E dirigindo-se ao irmão, indignou-se:
– De onde vem esse seu jeito de falar?
O irmão mais novo, que nem tinha colocado o livro sobre a mesa, só fez assim com os ombros…
E eu arrisquei falar a única verdade que achei para o momento:
– Talvez seja uma herança de família… Meus avós eram italianos… Meus pais… Meu pai falava Pronto?
Assim, sem perda de tempo, perguntei: e você? Usa Alô? ou Pronto?
Ele respondeu que, claro, usava Pronto!, como todo bom italiano… E nos lembrou que só falava assim porque vivera na Itália pelos últimos dez anos…
A conversa teria parado por aí, não fosse a curiosidade. Sabe, não sou do tipo que me rendo fácil e não lido bem com coisas inconclusivas, então… Resolvi apelar… Para o Google. E depois para ela, claro, a Inteligência Artificial. Admito, sou teimosa e, por isso, reformulei as hipóteses, até que fui presenteada com isso:
“Embora não haja artigos específicos sobre o uso do Pronto! ao telefone no Brasil, há sim pesquisas que abordam a influência cultural dos imigrantes italianos em hábitos linguísticos e cotidianos em comunidades brasileiras”.
– Bingo!
Foi então que ela me forneceu um quadro das principais variações linguísticas e culturais ao se atender ao telefone ao redor do mundo…
– Eu sabia! A única justificativa para que nós, paulistanos doc, usemos o Pronto? ao invés de Alô? só pode ser esta: a herança italiana que corre quente nas veias.
Os meninos já nem estavam ligados na questão e saíram para cuidar de seus assuntos. Mas eu não, eu insisti mais. Sem pena de espanar as inteligências… E perguntei: Herança? Que herança? Explique melhor!
Pedi artigos científicos. Nada… Análises semânticas. Nada… Linguísticas, antropológicas e… Nada.
A este ponto, acho que a IA se “cansou de mim”, porque, finalmente, me forneceu uma tabela à qual ela intitulou: “Variações linguísticas e culturais ao telefone”. Meio engraçado isso… Entendo que ela tenha se rendido à minha insistência, quis me deixar feliz. Achei meio forçado, mas, quer saber? Fez sentido para mim. Acho mesmo que falar Pronto! foi uma herança italiana herdada por meu pai… Se bem que… Se bem que acho que a entonação era outra… Meu pai não dizia Pronto! Ele dizia Pronto?
Pensei em insistir com o filho mais novo e tirar a dúvida. Perguntaria: você fala Pronto? ou Pronto! Achei melhor não… Era muita sutileza para um sábado à tarde – e ainda tinha a vontade de ler o livro… Por isso, preferi não ir a fundo na questão e aceitar que, ao menos para mim (e a despeito da entonação da palavra), falar Pronto? era sim um tipo de herança, ainda que com traços de italianidade paulistana (se é que me entende).
Conclui que, ainda que eu me reconheça como uma paulistana doc., a italianidade continua fazendo eco por aqui.

Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.