Estou um pouco amarga, admito. Em parte porque no exercício de pensar estes textos, acabei refletindo sobre o tamanho da minha italianidade: ela é nada (ou quase nada), perto da italianidade original, aquela do além mar.
O que carrego aqui desse meu lado é uma italianidade modesta, que cabe na palma da minha mão, quero dizer: tenho os passaportes roídos dos meus avós, uma pequena pasta com documentos do tempo em que pensava ser possível obter a cidadania, algumas fotos impressas coladas em álbuns; registros das viagens para a Itália que, somados ao longo de 10 anos, não superaram os 100 dias… E me dou conta de que isso não é nada.
No exercício de escrever estes textos, acabei entendendo que as memórias sobreviveram até aqui, porque o meu lado simples ou simplificado de ver as coisas insistiu em mantê-las vivas – mesmo que no fundo escuro das gavetas.
Só hoje me dei conta da força do tempo, tão capaz de obscurecer ou apagar tudo… Porque é fácil, no presente, romantizar eventos, ignorar vozes – gastar até o último dos centavos só para ter o que lembrar.
Meus avós estavam nos navios que, há 150 anos, cruzaram os mares da Itália para cá. Eu não estive lá com eles. Nem poderia. Mas nunca amealhei suas histórias de expatriados, não senti seu gosto amargo. E o resultado disso é que não as tenho todas na memória.
No exercício de escrever estes textos, conclui que restou pouco da minha italianidade no fundo das minhas gavetas, um nada ou quase nada, que só tem lá a sua força porque dói.
Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.