Há algumas evidências sobre italianidade que aprendi convivendo com os “meus italianos” aqui de São Paulo – e decido apenas falar dos “meus”, os que conheço, para não cair em generalizações. Considerei começar esta conversa compartilhando um ou dois modos de pensar (e de agir) bastante curiosos que pude – eu juro! – ver comprovados na prática, no dia a dia com eles. Mas, de novo, muita atenção: isso se deu com os “meus italianos”.
Evidência nº 1: um sim é um sim. Um não é um não.
Já vou direto ao ponto e dou um exemplo para explicar esta frase que vale para os italianos, mas não para os brasileiros – acho que menos ainda para os paulistanos; ao menos quando o contexto é trabalho. Não sei se todos sabem, mas, por aqui, temos a fama de ser “viciados em trabalho”. Pois então… Imagine que você é um italiano dos meus e, no trabalho, precise que um funcionário (paulistano, talvez) tire cópias de um documento importante para você; e até o final daquela mesma tarde. Sente só como seria o diálogo:
— Fulano, pode tirar 1000 cópias deste documento até às 4 e meia?
— Mas é claro! Às 4 estarão na sua mesa!
Só que não… O funcionário não vai conseguir tirar as cópias a tempo. E não porque seja irresponsável. Simplesmente porque ele está atolado de coisas para fazer… Aliás, considere que ele disse “sim” para outras mil pessoas e, é claro, também será incapaz de dizer um não para você…
Então, como teria sido a tal conversa se, para ambos, um “não” fosse só um não e pronto? Assim:
— Fulano, pode tirar 1000 cópias deste documento até às 4 e meia?
A resposta seria:
— Infelizmente não consigo.
Ah, e isso seria dito assim, sem maiores justificativas. E por quê? Porque um “não” seria só um não e pronto! A questão toda é que a gente não consegue alcançar este nível de italianidade não.
Esse é um princípio, uma “italianidade” do tipo que eu, como paulistana, não consigo me apropriar. Tenho uma dificuldade imensa em dizer não – e aqui seria possível ficar conjecturando sobre os motivos… O fato é que – e, de novo venho com a generalização – os brasileiros não conseguem manter este nível de verdade, de sinceridade, de assertividade: a gente sabe o quanto vai ser difícil cumprir a promessa para o chefe, mas mais difícil ainda é negar seu pedido…
Disse o poeta Guimarães Rosa: “ Eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa. ” Pois então: a assertividade é um traço de personalidade e, neste nosso caso, é como um sopro de italianidade. Quem sabe eu ainda possa aprender…
Afinal, quem há de discordar que, na grande maioria das vezes um “não” precisa ser um não, e um “sim” vai melhor se for apenas um sim?
Nota: a este ponto me vem forte a sensação de que posso ter causado alguma polêmica por aqui, seja com meus conterrâneos paulistanos, seja com os “meus italianos”… Pelo sim, pelo não (e me desculpem de novo o paradoxo), prefiro seguir com essa minha listinha de evidências sutis sobre italianidades apenas no próximo ensaio.
Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios quinzenais sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.