Todos sabem da fama dos vinhos e espumantes italianos, que estão entre os melhores do mundo. Mas pouco se fala sobre outra forte tradição no Belpaese: a dos licores.
Produzidos de norte a sul com ingredientes locais, os licores italianos não deixam a desejar quando o assunto é qualidade e sabor com reconhecimento internacionais: basta pensar no limoncello, um ícone da Costa Amalfitana, no aperol, ingrediente fundamental no spritz – coquetel símbolo do verão europeu – ou, ainda, na grappa, originária do bagaço das uvas que viraram vinhos.
Consumidos em geral como digestivos após o almoço ou jantar, a tradição dos licores remonta a séculos. Muitos são fáceis de preparar em casa, ainda que o tempo de envelhecimento do destilado possa se prolongar por semanas.
A produção dos licores está diretamente ligada ao clima da região e às estações do ano. Também pode se associar ao calendário religioso cristão. E vai além: se relaciona até com um astro do cinema dos anos 1960, que, sem querer, fez um licor virar tendência mundial.
Confira, a seguir, estas e outras curiosidades sobre alguns dos principais licores regionais italianos.
1- Disaronno
Típico da Lombardia, o “Amaretto di Saronno” é um dos mais antigos licores da Itália / Unplash
Disaronno ou simplesmente “Dis”: é assim que o marketing trabalha a marca nos últimos anos, cujo nome original era Amaretto di Saronno. A mudança faz sentido, já que não se trata de um “amaro” (bitter), mas de um licor de amêndoas amargas com ervas e açúcar.
Fácil de ser preparada em casa, a bebida tem coloração caramelo e 28% de teor alcoólico. Pode ser apreciada pura ou em drinks.
Com origem na cidade de Saronno, província de Varese, na Lombardia, o Amaretto di Saronno acumula mais de cinco séculos de história. Diz a lenda que o licor foi o presente de uma jovem ao pintor Bernardino Luini, discípulo de Leonardo da Vinci, após servir de inspiração para o retrato da Virgem Maria em 1525.
2- Mirto
Feito com bagas e folhas da murta, licor de “mirto” é uma especialidade da Sardenha / E-borghi
Muito mais do que uma bebida típica, o licor de “mirto” é um patrimônio da Sardenha, reconhecido como PAT (Produto Agroalimentar Tradicional) pelo governo italiano.
Em italiano, “mirto” é murta, um arbusto típico da ilha, de onde se maceram suas bagas e folhas para a produção da bebida. A planta é conhecida desde os tempos antigos por romanos, gregos, árabes e egípcios, sendo, portanto, rodeada de mitos e lendas.
Com coloração geralmente avermelhada, o licor de “mirto” é um digestivo com teor alcoólico entre 30% a 32%. Seu preparo requer empenho e precisão e por isso, é controlado pela Associazione Produttori Mirto di Sardegna. Pelo processo industrial, o envelhecimento de bebida pode levar até um ano.
No entanto, também é possível preparar o licor em casa: nesse caso, a maceração das bagas de murta dura cerca de 40 dias. Já o tempo de envelhecimento da bebida é opcional, mas a validade do licor doméstico é de dois anos.
3- Liquirizia
Faz parte da tradição calabresa presentear familiares e amigos com um licor de “liquirizia” no natal / Amarelli
A “liquirizia”, ou alcaçuz, é uma planta que se adaptou bem ao clima da Calábria após ter sido introduzida na região por monges beneditinos no ano 1000 que buscavam curar problemas digestivos. Hoje, o alcaçuz calabrês está entre os melhores do mundo e é um produto com selo DOP (Denominação de Origem Protegida) desde 2011.
O licor de alcaçuz é feito com as raízes da planta. Com sabor agridoce, coloração escura e teor alcoólico de 25,8%, o “liquore alla liquirizia” é comercializado na região desde o século 18. Ao contrário de outros licores, quando feito em casa, não precisa de repouso para o envelhecimento.
Faz parte da tradição calabresa presentear familiares e amigos com um licor de “liquirizia” no natal.
4- Nocino
Emília Romanha, Puglia e Campania seguem a tradição de São João para a produção do licor de nozes / Turismo.it
Carro-chefe da Emília Romanha, especialmente da cidade de Modena, o licor de “nocino” é feito com nozes. O preparo, em geral, ocorre no verão europeu, quando as nozes entram em fase de amadurecimento, para ser apreciado apenas no inverno.
De acordo com a tradição, as nozes, ainda não totalmente maduras, devem ser colhidas em 24 de junho, dia de São João – na prática, a colheita se estende até meados de julho. É importante ter muito cuidado com as nozes colhidas, já que qualquer ferimento nos frutos poderá interferir na qualidade do licor. A finalização do preparo da bebida se encerra em 31 de outubro, véspera de Todos os Santos.
Como resultado, tem-se um destilado de cor escura, sabor forte e 40% de álcool.
Seguindo a tradição do dia de São João, o licor de “nocino” também é produzido em outras regiões da Itália, como a Puglia e a Campania, podendo sofrer algumas variações em suas receitas.
5- Meloncello
“Filho” do limoncello, o meloncello é um licor cremoso e refrescante do sul italiano / La Cucina Italiana
O meloncello é uma variante do licor italiano mais famoso do mundo, o limoncello. Feito com melão cantaloupe, é uma bebida do sul italiano, especialmente da região da Costa Sorrentina, na Campania.
Assim como o seu “pai”, é um digestivo refrescante, perfeito para dias quentes. Pode ser preparado em casa para consumo imediato, ainda que o ideal seja esperar de 8 a 10 dias para que seu sabor se intensifique.
Aveludado e cremoso, devido ao leite como ingrediente, o meloncello também traz o sabor acentuado do melão cantaloupe. Seu teor alcoólico é de 17%.
6- Punch
Licor punch do Abruzzo é perfeito para dias frios / Fara San Martino
Originária da região do Abruzzo no século 19, o punch é uma ótima opção para os dias de inverno – principalmente se for requentado antes do consumo.
Com 40% de álcool, é um licor feito com rum, ervas aromáticas e fatias de laranja ou limão. Devido ao seu sabor cítrico, o punch é uma ótima combinação com doces, sorvetes e cremes.
7- Sambuca
“Sambuca com mosca”, uma criação do ator Marcello Mastroianni / Laboratorio dell’espresso
Um clássico de Civitavecchia, cidade próxima a Roma, a sambuca é um licor doce e aveludado, com consistência viscosa e oleosa, de coloração transparente. Feita a partir da destilação do anis-estrelado e da erva-doce, tem o sabor intenso de anis e a delicadeza da erva. Uma das primeiras versões da receita incluía a flor de sabugueiro, “sambuco”, em italiano, daí o nome da bebida.
A sambuca é também conhecida como “mata-café”, devido à tradição romana de beber esse digestivo após o cafezinho do almoço.
Mas existe ainda, uma outra maneira de saborear a bebida: basta acrescentar uma “mosca” nela. A “sambuca com mosca”, famosa em bares do mundo todo que servem o licor, surgiu a partir de uma brincadeira do ator Marcello Mastroianni durante o intervalo das gravações de “La Dolce Vita”, obra-prima de Federico Fellini, um clássico do cinema. Mastroianni teria jogado um grão de café torrado na sambuca e gritado para os seus colegas: “caiu uma mosca!”. Sem querer, o astro criou um marco no universo dos licores.
BRUNA GALVÃO é jornalista especializada em Itália / pittoresca@pittoresca.com.br