Como já se passaram duas semanas desde que compartilhei a 1ª lição ou evidência sobre italianidade paulistana, então acho que já posso confidenciar uma coisa: me deu um certo “medinho” de que o tema do último ensaio pudesse causar alguma polêmica – tanto de um lado, quanto do outro… Cheguei a consultar “os meus italianos” e também uns paulistanos sabidos; só para tirar umas dúvidas…
Explico: nós, paulistanos, somos tão convencidos (no bom sentido) da nossa italianidade – ou ainda, da compreensão do que é essa italianidade, que praticamente já nos sentimos… Italianos! É tão grande essa nossa identificação com as coisas e gentes da Itália, que deixamos de lado os… “detalhes” – ainda mais porque, por esses serem “do tipo culturais”, a gente nem sempre os vê.
Longe de mim desconsiderar os tais “detalhes”, mas sigo corajosamente com esta lista de evidências – mesmo que desta vez sem o aval das minhas “fontes”. Dito assim, lá vai a segunda evidência:
Os “meus italianos” têm uma tecla SAP.
Para você entender a coisa toda é preciso pensar antes na funcionalidade dessa tecla tão comum nos aparelhos eletrônicos; muito útil quando se quer optar entre ouvir o som original ou dublado de um filme… Mas o que a tecla SAP tem a ver com os “meus italianos”?
Vou direto à cena para deixar tudo mais fácil para você: na hora do cafezinho, a conversa corre animada na língua-mãe entre os “meus” italianos. O tema, futebol ou política; às vezes outro assunto menos sanguíneo… É quando eu, a paulistana, me aproximo e… A tecla SAP é acionada! Ou seja: diante da minha inesperada presença, eles simplesmente trocam o idioma da conversa! Ora, ora se esse não é um acordo tácito que existe entre eles? Mas por quê?
Essa é uma estratégia intrigante e cheia de controvérsias; e eu até já perguntei para vários amigos por que eles fazem isso de mudar o idioma do italiano para o português toda vez quando eu, a paulistana, me aproximo. Eles dizem que é por respeito… Pode até ser, faz sentido – embora eles saibam que eu compreendo relativamente bem o italiano… Justamente por isso, tenho outra suspeita forte – e me perdoem se estiver errada, pois, como sabem, não consultei as minhas “fontes” desta vez: eles apertam a tecla SAP porque têm urgência de falar a “nossa” Língua – e não perderão uma oportunidade. E acrescento: eles sabem que esta é a forma mais prática de se manterem integrados e adaptados às coisas e gentes do nosso país.
Há controvérsias nessa minha fala, eu sei… Mas sigo em frente nesta teoria, sabendo que tudo pode ser apenas um detalhe, o que não quer dizer que seja simples. Veja só o caso inverso da minha avó Adele:
Nascida em Morgano, ela fazia questão de mimar sua língua como quem cuida do último pedaço de pão ou do último gole d’água. Tanto isso é verdade que, tendo vivido no Brasil muito, mas muito mais do que viveu no Bel Paese, nunca deixou de cultivar os detalhes: falava italiano com os filhos brasileiros e inventou um idioma muito particular para conversar com os netos – nem italiano, nem português – e acho que essa foi uma forma de encaixar sua italianidade nas coisas e nas gentes do Brasil.
Ao que parece, apertar (ou não) a tecla SAP é mesmo um detalhe; tanto para os meus italianos quanto para a minha avó. Porém, qualquer que seja a intenção, é um detalhe bem bonito de se ver.
Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios quinzenais sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.