ITALIANIDADE PAULISTANA – Panta Rei

No convívio com as coisas e gentes da Itália aqui em São Paulo aprendi que nem tudo que considero como evidência de italianidade de fato o é. E claro, se há um “culpado” nessa história, este é o amor; pois quando a gente se habitua a amar, é comum se atrapalhar com as evidências, se confundir, se iludir.

Passei por isso: houve época em que, após ter visitado a Itália um par de vezes, retornava com a mala cheinha de “bellezze” – e do que pensava ser “saudade”. Mas acho que não era, pois o que desembarcava por aqui era uma sensação de que alguma coisa me faltava – era como um arrepio de febre sem estar febril… Refletindo mais, penso que nunca foi sobre saudade… Era ausência.

Foi sobre isso que eu e ela conversávamos outro dia: falávamos, é claro, sobre saudades e ausências, sobre a Itália dela e as minhas italianidades, quando ela disse:
“Quando eu cheguei aqui no Brasil eram as estrelas que mais me faziam falta, que mais me davam saudade… Eu não as encontrava no céu e sempre, sempre me perguntava: cadê as minhas estrelas? ”

Achei lindo; muito emocionado, grande e verdadeiro; tanto que, na hora, nem fui capaz de lhe dizer uma palavra. Só mais tarde pude pensar em toda a complexidade daquela conversa. Acompanhe meu raciocínio:

Se admirar uma estrela no céu não é vê-la de fato, mas ver a luz que emanou dela (e há milhões de anos) então, olhar para o céu é ver o passado. Imagine-se você, então, vivendo longe de casa, buscando as estrelas que até outro dia estavam no seu quintal e que eram as verdadeiras evidências de todo o seu passado; apertando os olhos para um noturno que agora pinta o céu em outro Continente… Imagine-se procurando por aquelas estrelas, e não encontrá-las, identificá-las, localizá-las… Quanta ausência, mas, sobretudo, quanta saudade você há de sentir?

Explicam melhor estas questões a filosofia de Heráclito e a prosa de Guimarães Rosa: “não se pode descer duas vezes o mesmo rio, pois tudo flui”. Em verdade, “o correr da vida embrulha tudo” e o que se impõe é só desconstrução e reconstrução. A vida “dispersa e recolhe, vem e vai”… Panta Rei.

Cara mia,
No noturno dos céus, nem eu nem você vemos as estrelas de fato, mas apenas a luz que emana delas. O que flui, então, é presença e vida; ausência e saudade… Vida, arrepio e febre.
Da minha parte, prometo ser mais cuidadosa com tantos céus e estrelas.
Panta Rei.

Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios quinzenais sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.

Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.

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