Adoro andar pela Avenida Paulista, e não demoro a contar para você o que me aconteceu outro dia durante essas minhas andanças pela “mais paulista das avenidas”; onde, uma vez sim, outra também, me deparo, dentre tantas coisas, com as nossas italianidades; diversas e abundantes.
Antes, não fará mal para você saber um pouquinho da história da tal avenida que nasceu com o nome de “das Acácias”, ou “Prado de São Paulo”: não demorou muito para ela ser batizada de “Paulista” – e assim permaneceu durante três anos quando, “graças” aos egos políticos, foi oficialmente renomeada “Dr. Carlos de Campos” – um ferrenho opositor dos atos da Revolução de 1924 e então chefe do governo de São Paulo. Grande era o descontentamento com a homenagem, mas foram necessários seis anos para que um jornalista da coluna Coisas da Cidade pudesse, enfim, comemorar o retorno do nome “Paulista” à avenida.
É preciso dizer que tudo o que eu escrevi até aqui é só curiosidade, pois o que você precisa mesmo saber é o que aconteceu comigo naquelas minhas andanças pela Avenida Paulista: estava eu caminhando folgadamente pelas pistas desta via (aos domingos ela se abre exclusivamente aos ciclistas e pedestres), quando resolvo entrar em uma loja de departamentos. Xeretando daqui e dali as mercadorias, ouço, ao fundo, um vozerio que me pareceu familiar: eram duas pessoas – que juro! – conversavam em italiano.
Não me surpreendeu, pois estou bem acostumada com a universalidade viva desta avenida… Aliás, um conselho: se você pretende andar por aqui, precisa se preparar, pois vai encontrar de tudo: cantoria, comida, cheiro, criança, velho, bugiganga, cães; gentes de gravata e biquíni; pessoas lendo, cantando, dançando, orando; vendendo, praguejando e dormindo. Vai ter que se deter aos sotaques, se atentar às verdadeiras queixas e filtrar as esquisitices cósmicas. Há de tudo um pouco rolando por ali. Eu, particularmente, me divirto muito com esses ares plurais.
Pois bem, estava então distraída com essas coisas, experimentando umas blusinhas legais na tal loja de departamentos, quando, ao me dirigir ao caixa para pagá-las, me deparei com aquele vozerio em italiano…
Não resisti. Me aproximei e lasquei um início de diálogo, daqueles que estudei no livro 1 de Italiano per Brasiliani:
“Ciao, mi chiamo Helenice…”
Me animei e continuei: “ma siete italiani?”
Parece uma pergunta boba, eu sei… Como se por ali alguém precisasse ser italiano para falar italiano…
Só que a pergunta não era boba, e de jeito nenhum, pois as interlocutoras – uma mulher e uma garota que aparentava não ter mais do que 15 anos – eram… orientais!
Foi então que a mulher, mãe da garota, se pôs a explicar tudo – e em italiano. Ela disse que não, que não era italiana, mas brasileira e natural do Paraná, eu acho… Mas que há mais de vinte anos vivia com o marido na Itália, numa minúscula cidadezinha ao norte do país.
Só sei que o papo foi ficando cada vez mais animado na fila do caixa da loja – e eu já nem estava mais gastando o meu repertório de italiano com elas… A certo ponto, como era de se esperar, a garota se desligou totalmente da conversa, entediada. Ah, sim! A jovem de traços orientais, que era brasileira de nascida, vivia na Itália, sabia nada de japonês e entendia muito pouco do português…
Tutto sommato, convenhamos: esse final de semana foi um dos mais confusos em termos de italianidades paulistanas para mim.
Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios quinzenais sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.