ITALIANIDADE PAULISTANA – O que está feito, está feito

De uns tempos (ou textos) para cá, tenho assumido o risco de não passar os meus rascunhos pelo crivo dos “meus” italianos. Não sei o que está se dando comigo, sempre fui uma pessoa muito prudente, mas resulta disso que, durante a semana, me bateu um tipo de “vergonha” ao imaginar o quanto “gli italiani doc” podem ter me achado meio ridícula quando, há quinze dias escrevi a primeira das três histórias que, diferentemente das anteriores, não foca nas italianidades paulistanas, mas na percepção paulistana – tantas vezes exageradas e sanguíneas – dessas italianidades.

Sinceramente, o que está feito, está feito…Me resta apenas continuar desnudando minhas emoções superlativas. Sem vergonha.

Pois bem. A 2ª história dessa tríade se deu em Perugia, e a ela darei o título: Seis mulheres e um elevador enguiçado.

Como essa história é longa, vou precisar privar você de deliciosos detalhes – como descrever a nostalgia que, toda noite, caía cálida dos postes de iluminação de Perugia; ou fazer você salivar com os “cannoli” saboreados sob a chuva fina que fazia brilhar as pedras das ruazinhas e caminhos… Nem vou falar que fomos recebidos com certa pompa na cidade e que, dentre tantas coisas, ficamos hospedados no apartamento funcional do prefeito! Você ficaria certamente muito admirado e admirada também de saber que até fiz um breve discurso na Prefeitura – e que ele contou com tradução simultânea de um colega dessa nossa comitiva…Não falo disso, pois essas são italianidades relativamente comuns de serem narradas…. Me perdoe, mas vou direto às seis mulheres.

Na verdade, éramos sete e não seis mulheres. Eu era a sétima, aquela que foi pelas escadas e me livrei do elevador que, inesperadamente, enguiçou entre o segundo e o terceiro andar. Pois então: enquanto eu subia esbaforida as escadas, o elevador aprontava essa com as outras seis mulheres que compunham nossa comitiva.

Do alto da escada, aguardei e aguardei… E nada de elas chegarem. Foi então que eu resolvi descer as escadas, verificar se tinham se detido em algo e desistido de pegar o elevador.

Mas qual!

Entre um andar e outro, lá estavam elas, dentro do elevador. A visão que eu tinha delas vinha de uma fresta: para respirar, as mulheres tinham afastado, com as próprias mãos, as portas do elevador.

Os ânimos das seis mulheres eram variados: uma estava sentada no piso do elevador – vermelha e mais esbaforida que eu. As outras cinco riam pelos cotovelos, se alternando entre planejar uma fuga e acalmava aquela que esbravejava de pavor. Foi quando uma delas me pediu para ditar um número de emergência que estava na parede, do lado de fora do elevador.

Bem, antes que esse relato vire um romance, vou resumir de novo: chamamos os bombeiros, que não chegaram nada rápido. Bem… Era domingo e o elevador antigo. Até aí, nada de novo. Nesse meio tempo, todas nós nos esforçamos para relaxar: contamos piadas e imaginamos como seria um bombeiro italiano! Afinal, coisa pouca não haveria de ser! Estávamos em plena Perugia!

O imaginário correu solto – e alucinado. Tanto que vieram em nossas mentes aquelas cenas incríveis dos filmes hollywoodianos… Para completar a fantasia, os bombeiros falavam em italiano!

Conversa vai, risadas vêm, finalmente chegam os bombeiros. Apresso-me a abrir a porta. Eles avançam falando palavras que, confesso, não entendi. Só caio em mim quando, um deles grita: “Privacy, privacy!” – numa referência direta ao fato de eu os estar filmando… Felizmente algumas palavras e gestos são universais.

Era só o começo do nosso desencanto coletivo, pois, a partir daquele momento, viveríamos todas o declínio das nossas expectativas… Era claro que os bombeiros em nada se assemelhavam ao nosso imaginário italianizado: não chegaram em carros derrapando nas pedras úmidas das ruas de Perugia, não tocaram as sirenes, não se viu a intermitência das luzes vermelhas… A mulher esbaforida que passou o tempo todo a se abanar no piso do elevador não foi tomada nos braços por nenhum bombeiro gentil, musculoso que falava italiano… Nenhuma música, romântica de preferência, serviu de trilha sonora para o momento em que eles retiravam, sãs e salvas, as mulheres do elevador…

Depois de tudo, acho que o pior ficou para mim: na ânsia daquele instante, apaguei sem querer a gravação do momento em que os bombeiros chegaram…

Finalizo por aqui essa história, após revelar, corajosamente e sem a ajuda de ninguém, até aonde as emoções superlativas (e paulistanas) podem nos levar quando o assunto é Itália…

O que está feito, está feito.

Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios quinzenais sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.

Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.

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