ITALIANIDADE PAULISTANA – Um “falso amigo”

“ Squisito! ” Foi assim que se dirigiu a mim um colega de trabalho quando, há alguns anos, nos encontramos casualmente na sala de reuniões. Está aí uma palavra que custei muito a entender, ainda mais porque, ao menos para mim, era tudo o que eu não queria ouvir naquele momento.

Para que você entenda o contexto dessa história vou voltar um pouco no tempo: na semana anterior, eu tinha ido à cabeleireira para tirar uns fios brancos insistentes dos meus cabelos. Como de costume, pedi à cabeleireira para os lavar com um produto especial, cujo tom era ligeiramente mais escuro que os meus cabelos e apenas suficiente para cobrir os fios alvos e teimosos. Não sei se naquele dia ela estava mais displicente, mas desconsiderou minhas recomendações e aplicou um tom bem mais escuro na minha cabeleira. Lembro que saí de lá ressabiada, me sentindo bem “esquisita”, mas ainda assim esperançosa, já que o produto era natural e sairia a cada lavagem, talvez em dois ou três dias.

“Felizmente é sexta-feira… Imagine chegar assim no trabalho… Até segunda, possivelmente o tom estará mais adequado…”

Passei o final de semana me estranhando… Evitava olhar no espelho, pois o tom destoava muito da minha pele… Ah, harmonia é tudo, né?

Felizmente, na segunda-feira, três ou quatro lavagens depois, o tom dos meus cabelos já estava bem mais adequado – não sei se porque a cor realmente tinha suavizado ou se eu já estava me acostumando com ela. Foi quando entrei na sala de reuniões e me deparei com o meu colega (italiano, ressalte-se). Após um breve “Buongiorno”, ele não hesitou e arrematou um sonoro “squisito” enquanto me olhava de cima a baixo, entortando a cabeça para a direita e para a esquerda.

“Um falso amigo”, pensei, quase que imediatamente – e, na ocasião, referia-me ao amigo mesmo. Um mundo de coisas passou pela minha cabeça… Acho até que ele percebeu a minha insatisfação e talvez até tenha sentido o meu olhar fulminante atravessando-lhe a alma, porque não se demorou a dar explicações:

“Ah, não quis dizer que VOCÊ está esquisita… Não nesse sentido do português… Em italiano a gente usa “squisito” quando uma comida está saborosa, quando uma estadia foi maravilhosa, quando um discurso foi espetacular… Eu quis dizer que você está… Diferente!”

Olha, a explicação dele não me convenceu completamente… Até porque não estava preparada para ouvir que eu estava “diferente”… Só sei que, de toda forma, optei por aceitar sua explicação e em nome da amizade em si – mesmo que, vez ou outra ainda pergunte aos especialistas se “squisito” é ou não um “falso amigo”, um falso cognato… Para dizer a verdade, todo mundo acha que o uso do adjetivo ficou esquisito naquele contexto… Cabe o benefício da dúvida?

De toda maneira, após quase dez anos do ocorrido, praticamente aceitei que problema estava com a amizade semântica, e não na amizade em si. Foi em nome dessa amizade que concedi o benefício da dúvida…

Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios quinzenais sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.

Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.

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