ITALIANIDADE PAULISTANA – Cris

Poucas vezes escrevi sobre os “italiani doc.”, muito provavelmente porque conheci bem poucos, tanto que posso contá-los nos dedos… De uma das mãos.

Para quem não sabe, “italiani doc.” é o “titulo” dado àqueles italianos que, em sendo originais, nascidos, criados e maturados (hehe) na Itália, macularam em quase nada a sua italianidade, mesmo tendo atravessado o oceano há décadas para se instalar em São Paulo.

Isso pode não ser tão óbvio para você, que deve achar que todo italiano é só um italiano.

Não é. A Cris, por exemplo. Ela é italiana (de Milão) e passou quase a metade da vida dela aqui no Brasil. E tudo o que eu sabia sobre ela até outro dia não fazia dela uma “doc”: seu jeito de ser, de pensar, maneira de agir, nada disso… Ela era só a nossa Cris; uma italiana bem paulistana. Tanto isso é verdade que acho que a gente nunca se questionou quem, de fato era a Cris.

Para você que não a conhece, vou lhe dizer que a Cris é o tipo de italiana que diluiu muito bem a sua italianidade: um tipo de pessoa que permitiu que suas palavras, suas ideias, seus interesses, o jeito de ser e de sentir, tudo isso fosse sutilmente diluído às nossas peculiaridades e idiossincrasias.

E eu, senhoras e senhores, eu não fazia ideia:

Foi preciso que ela fosse para longe da gente para eu entender que ela não era um ser aéreo como eu pensava que fosse, e que, um dia, quem sabe, tivesse pousado – do nada – por aqui. E mais: eu não fazia ideia que a sua italianidade era sutil assim de propósito… Era algo necessário, fazia parte da sua missão diluir-se entre nós…

É bom que se diga: quando a gente está com ela, raramente será para absorver sua italianidade. Ao contrário, quando ela está conosco só quer saber da nossa “brasilidade” – e, no mais, redescobrir a identidade migratória comum.

A grande verdade é que há uma Cris que a gente não conheceu direito: aquela que pregou botões, fez um vestido de noiva e até um bolo de casamento! Não chegamos a conhecer a Cris que caminhou duro até a periferia da periferia para acolher a criança recém-nascida… Ou a que se aventurou na mata só para aliviar a dor de um velho e pobre homem…

A Cris acabou de partir para a Itália. De lá, vai para a Alemanha, trabalhar no que sabe e com o que gosta (como sempre fez). Provavelmente vai chegar por lá como o mesmo ser aéreo que a gente conheceu por aqui. Preparadíssima para diluir por lá a sua bondade, sua sabedoria e compaixão.

In boca al lupo, Cris!

Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.

Ouça o podcast Eu, Storyteller com os textos desta coluna aqui.

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