A primeira vez que estive com um grupo numeroso de brasileiros e italianos foi em agosto de 2009. Era uma reunião profissional e nela eu seria apresentada, no auditório da empresa, aos meus colegas de trabalho.
Tudo parecia estar andando muito bem, não fosse o fato de que, minutos antes do início da tal reunião, fora chamada ao Departamento Pessoal para resolver algumas questões burocráticas. Resolvi tudo rapidinho e me dirigi ao auditório, subindo as escadas às pressas, cujos degraus passavam de cem, eu juro. O fato é que cheguei lá sem ar, forçando um sorriso com boca seca, suor escorrendo pelo rosto… Não me pareceu um bom início, mas tudo bem… Ao menos a reunião não tinha começado.
Do lugar eu me lembro muito bem: era amplo, iluminado, rodeado por cadeiras que, pude saber mais tarde, formavam um grande e democrático círculo – “metà italiano, metà paulistano”.
Havia ao menos 30 pessoas naquele auditório. Ao chegar, lembro de ter corrido os olhos pelo local como faria uma águia antes de mostrar a que veio. No meu caso, penso até que, se eu e ela estivéssemos na mesma sala, ela (a águia) teria atingido o seu propósito antes de mim. A coisa estava bem mais difícil para o meu lado: era novata, “e non parlava una parola di italiano”; e pior: havia apenas quatro cadeiras desocupadas no grande círculo. Duas delas estavam ao lado das gestoras da empresa (que já conhecera dias antes) – e então, de início, já me ocupei de exclui-las de imediato (as cadeiras, quero dizer), pois achei que este seria um bom momento para eu socializar com os colegas do trabalho… Restavam então duas outras cadeiras, que estavam posicionadas em “pontas” opostas no círculo (se é que é possível um círculo ter pontas).
“Quero me sentar perto de um brasileiro (ou brasileira) ” – Tive tempo de pensar.
Escolhi me acomodar ao lado de um senhor calvo, muito sorridente, óculos grandes, calça social e que segurava uma enorme mala nas mãos – e achei que tinha sido uma boa escolha, pois podia jurar que ele era brasileiro, talvez paulistano. Estava convicta: era ali mesmo que eu iria me sentar, pois aquele homem em nada se parecia com um italiano: ele não usava uma echarpe amarrada no pescoço e vestia uma espécie de tênis – e não sapatos do tipo social; muito menos usava aquelas calças justinhas nos tornozelos e que mostram as meias.
“Sim, era ali mesmo que eu ia sentar… Ao lado do homem brasileiro; digo, paulistano. ”
“Seja bem-vinda” – disse o homem em português”.
“Eu sabia! Ele é brasileiro! ” – Falei comigo mesma, enquanto me acomodava na cadeira. Mais tranquila, decidi dar uma volta de olhos enquanto todos falavam uma língua indistinta. Tinha a impressão de só ouvir italianos falando, “não sei, poderia ser só impressão minha”, mas o burburinho de vozes era tão grande que eu já nem reconhecia os discursos.
Foi quando olhei para a outra ponta do círculo, onde havia a outra cadeira vaga; aquela que não escolhera, lembra? Ao seu lado, sentara-se uma mulher que aparentava ter os seus 27 ou 28 anos, cabelos muito longos, olhos enormes, muito verdes, lindamente vestida. Comecei a prestar atenção nela, no jeito que mexia as mãos nos cabelos… Juro que: “per me”… “Non credo…” “Nuovo anno”…
Minhas suspeitas se confirmaram: ela é italiana!
Mas me pus a pensar:
“O que faz essa moça aqui? Será uma atriz? Tão linda… Seus olhos me lembraram Gina, seus cabelos Sofia… Claudia? Ora, que tola que eu sou… Essas são atrizes da década de 60! Ela tem 27, 28 anos… Como poderia? ”.
E respirei aliviada:
“Fiz bem em sentar ao lado do homem paulistano e de óculos grandes… Mas, o que essa atriz faz aqui? “
Começou e algum tempo depois terminou a reunião – e dela entendi bem pouco, preciso confessar.
No dia seguinte, tomei coragem para perguntar a uma colega brasileira se as minhas suspeitas estavam corretas; ou seja, se o homem dos óculos grandes era brasileiro e se a mulher que falava italiano era uma atriz.
“Ah, eles! – Ela disse. “São dois italianos! E ela não é atriz não. ”
Helenice Schiavon é designer educacional, especializada em projetos com storytelling e oralidade. Professora, pedagoga e locutora técnica, escreve ensaios sobre italianidade em São Paulo em Pittoresca.
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